Por: Juliano Godoi*
Em uma releitura contemporânea do texto grego de Aristófones: Lisístrata, o diretor Radu Mihaileaonu, dos filmes: O concerto e o Trem da vida, trás ao século XXI boas reflexões sobre a relação de poder existente entre os gêneros masculino e feminino.
Tudo acontece no ano de 2006, numa pequena aldeia do norte muçulmano do continente africano, onde as mulheres estremecem as relações existentes entre elas e seus companheiros, quando exigem que seus maridos, desempregados e desocupados por causa da seca que castiga o vilarejo há anos, que busquem água para a vila e para os afazeres domésticos.
Frente ao machismo e a recusa masculina, as mulheres decidem deflagrar uma peculiar greve de sexo, que coloca em xeque valores e impõem aos homens do vilarejo a responsabilidade sobre suas ‘reputações masculinas’.
Abaixo sinopse e comentários sobre este fantástico filme!
*professor de história e colaborador do estadegreve
No festivo, musical e politicamente correto A Fonte das Mulheres, o diretor romeno Radu Mihaileanu (O Concerto,Trem da Vida) imagina um manifesto feminista numa pequena comunidade muçulmana no Magreb, norte da África.
Coproduzido pela França, Bélgica e Itália, o filme concorreu à Palma de Ouro em Cannes 2011.
A pequena aldeia, assombrada pela seca, o desemprego e a corrupção das autoridades locais - que atrasam a instalação da água encanada e da eletricidade - sobrecarrega de trabalho pesado suas mulheres. Sempre levando baldes nas costas, ladeira acima, ladeira abaixo, várias delas, grávidas, perdem os filhos.
Depois de um novo aborto de uma delas, a jovem Leila (Leila Bekhti, de O Profeta), uma das raras mulheres que sabe ler, lidera uma greve de sexo, procurando forçar os homens locais a se mexerem para resolver os problemas do povoado.
É uma trama que evoca a peça grega Lisístrata, de Aristófanes, mas tem outros desdobramentos. Um deles é como se dividem as reações masculinas ao inusitado protesto, num contexto nitidamente machista e conservador. O marido de Leila, Sami (Saleh Bakri, A Banda), está entre os liberais. Mas há homens intolerantes e impacientes, que partem para a agressão, acreditando assim poder dobrar as mulheres pela intimidação.ir
Como era de se esperar, as autoridades religiosas intervêm, o que dá margem a uma animada discussão sobre aquilo que está ou não previsto no Alcorão. Como em qualquer religião, tudo depende das interpretações, que viajam ao sabor da conveniência de quem se habituou a ser sempre amo e senhor e não quer ver o fim desse estado de coisas.
Mesmo entre as mulheres, as opiniões se dividem. A sogra de Leila (Hiam Abbass, de Free Zone), está à frente do bloco ultraminoritário que hostiliza as neofeministas, especialmente por ser encabeçado por sua nora - que veio de outra região e nunca foi muito bem-vista por ela.
Ainda que tratando de temas sérios, o tom grave é quebrado pelo formato musical. Usando canções, injeta-se um bem-vindo humor em inúmeras situações. Não só isso. Se há um mérito no filme de Mihaileanu é lançar uma luz diferente sobre a cultura muçulmana, quebrando o molde monolítico que o fundamentalismo procura fazer crer que seja a sua única voz e expressão. Diante das sucessivas rebeliões recentes no mundo árabe (Egito, Tunísia, Síria), o filme ganha ainda mais interesse e atualidade.
Outro ponto alto é o elenco feminino principal, em que se destacam a veterana atriz argelina Biyouna (como a rebelde Velho Fuzil), Hafsia Herzi (O Segredo do Grão) e Sabrina Ouazani (Homens e Deuses).
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