quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

OPINIÃO: Greve do setor aéreo: justa e legítima

por Pedro Pomar

Escrevo na antevéspera do Natal. Os trabalhadores do setor aéreo marcaram greve para 23 de dezembro. No noticiário, começaram a aparecer notícias de piquetes de trabalhadores aeroviários mobilizados em busca de suas reivindicações. Os aeroviários são os “carregadores de piano” do setor aéreo. Aviões de passageiros dependem de pilotos para voar em segurança, mas o transporte aéreo não funcionaria sem o pessoal de terra. Ocorre que os pisos salariais dessa turma são ridículos.

Um auxiliar de manutenção de aeronaves ganha 774,12 reais por mês. Um agente de proteção, 802,96 reais. O mecânico de manutenção de aeronaves recebe 1.126,31 reais. Esses valores foram definidos pela convenção coletiva 2009/2011, firmada entre o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA) e o Sindicato Nacional dos Aeroviários. Se levarmos em conta que um vôo seguro depende do trabalho duro desse pessoal, como aceitar que sejam tão mal remunerados?

O reajuste total reivindicado (que inclui a reposição das perdas inflacionárias do período) elevaria os salários em 15%. Para os pisos salariais, porém, os aeroviários pedem maiores reajustes, chegando a 30% no caso do auxiliar de manuteção, que passaria a receber 1.006 reais; o “operador de equipamento de viatura” ganharia 1.200 reais; os salários do agente de check-in e do mecânico subiriam para 1.500 reais. Nada astronômico, portanto. No entanto, o SNEA não quer dar um tostão além da inflação (6%).

Aeronautas

Os aeronautas, trabalhadores embarcados nos aviões (pilotos, co-pilotos, mecânicos de vôo e comissários-as), fazem mobilização conjunta com seus companheiros de terra e também reivindicam 15% de reajuste, além de aumentos mais expressivos para os pisos salariais da categoria, que iriam a 2.000 reais para os comissários, 3.000 reais para os mecânicos de vôo e 4.000 reais para os pilotos. Você pode não acreditar, mas o atual piso salarial dos comissários é de 1.202 reais!

As empresas têm plenas condições de conceder às duas categorias os reajustes exigidos. TAM e Gol, as duas líderes, estão muito bem colocadas na lista das empresas áreas mais lucrativas da América, e as demais têm acompanhado o ritmo de crescimento do setor: segundo o Sindicato Nacional dos Aeronautas, as pequenas (Azul, Webjet, Avianca e outras) detêm hoje 18% do mercado, contra 5% em 2005.


Ouçamos a entidade dos aeronautas: “Em 2010, segundo a ANAC [Agência Nacional de Aviação Civil] em ‘Dados Comparativos Avançados’, de janeiro a outubro, a demanda das empresas cresceu 25% e 21,29% em seus segmentos domésticos e internacionais, respectivamente, quando comparada com o mesmo período de 2009. Segundo a CVM-Comissão de Valores Mobiliários, TAM e Gol, responsáveis por 82% do mercado doméstico e 100% do mercado internacional brasileiro, apresentarão lucro líquido de R$ 527 milhões e R$ 82 milhões respectivamente, até setembro de 2010, antes do início da alta temporada, época em que as empresas realmente ganham muito dinheiro.”

O sindicato observa, para exemplificar o impacto da alta temporada, que “em 2009 o lucro líquido da Gol, que era de R$ 78 milhões até setembro, atingiu R$ 493 milhões em dezembro”, e divulga estudo da consultoria Economatica, segundo o qual “a TAM é atualmente a empresa aérea mais lucrativa dentre todas as da América Latina e Estados Unidos”.

Produtividade: 63%

Os aeronautas consideram que houve “um crescimento médio da demanda de pelo menos 100% nos últimos cinco anos, ou seja, o setor dobrou de tamanho” entre 2005 e 2010, “algo inédito no mundo para um intervalo de tempo tão curto”. Porém, ainda de acordo com dados da ANAC, a evolução do emprego para aeronautas foi de apenas 22,74% no período 2004-2009, passando de 11.393 tripulantes em 2004 para 13.984 em 2009.

Com a palavra, ainda, o Sindicato Nacional dos Aeronautas: “Portanto, para um crescimento de 100% na demanda pelo transporte aéreo regular no Brasil, houve um acréscimo de 22,74% no número de aeronautas contratados nos últimos cinco anos. Ao dividirmos os dois indicadores, ou seja, a evolução da demanda pela evolução do emprego, chegamos a uma produtividade do trabalho do aeronauta de 62,95%, ou seja, nos últimos cinco anos houve um aumento de quase 63% na intensidade média do trabalho exigida ao aeronauta. Como ‘recompensa’, no mesmo intervalo de tempo, os salários receberam um aumento real (descontada a inflação) de apenas 5,62%”.

A expansão relativamente pequena da força de trabalho do segmento, comparada à enorme expansão da demanda (aumento do número de vôos e de passageiros), provocou um surto de superexploração das tripulações (e, provavelmente, também do pessoal de terra). Os sindicatos protestaram e o Ministério Público do Trabalho pressionou as empresas, que se viram obrigadas a contratar mais pessoal.

Pressão antigreve

Como sempre ocorre toda vez que as categorias da aviação se mobilizam para lutar por seus direitos, setores reacionários da sociedade e da mídia comercial começam a pressionar os trabalhadores e a falar em “caos aéreo”. Basta lembrar da enorme pressão realizada sobre os controladores militares de vôo, que entraram em greve em 2007 contra os baixos salários e as péssimas condições de trabalho. A idéia desses setores é despertar os “instintos mais primitivos” dos usuários de classe média e jogá-los contra os trabalhadores.

O portal eletrônico do jornal Folha de S. Paulo decidiu realizar uma enquete eletrônica sobre a greve. O simples enunciado das perguntas já contém um viés condenatório do movimento: “Você aprova a ameaça de greve dos aeroviários?” “Você aprova que os aeroviários façam greve nesta época das festas de fim de ano?”

Diante de tais ataques ao direito de greve, cabe reafirmá-lo em sua inteireza. Aeroviários e aeronautas têm direito de fazer greve e seus motivos são absolutamente legítimos. É evidente que toda greve que afete serviços como transporte, saúde e outros que envolvam diretamente a população causa desconforto e transtornos aos usuários. Mas a verdade é que essas paralisações poderiam ser evitadas, seja por uma disposição das empresas de negociar, seja por maior intervenção governamental (por meio da ANAC), pois este é um setor regulado pela União.

Além disso, nenhuma greve é um passeio. Os trabalhadores se expõem, correm riscos ao enfrentar a polícia, vivem a tensão de uma possível demissão por seu ato de coragem. Supor que fazer greve seja divertimento de sindicalistas é coisa de quem desconhece o mundo real e ignora o jogo bruto das empresas, praticado por chefes e prepostos.

Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.

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